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Primeira mulher a ocupar o cargo, professora aposentada da UFPB é eleita presidente da Academia Brasileira de Música

A professora aposentada da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e compositora Ilza Nogueira acaba de alcançar um marco histórico na cultura brasileira: foi eleita a primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Música (ABM), instituição fundada por Heitor Villa-Lobos em 1945. A escolha de seu nome também simboliza a abertura da Academia para além do eixo Rio de Janeiro, reconhecendo a força de trajetórias formadas em outras regiões do país, entre elas, a que Ilza construiu ligada também à UFPB.
Segundo a nova presidente eleita, sua escolha representa dois movimentos importantes na história da instituição: o reconhecimento do caráter nacional da ABM, valorizando a representatividade regional na condução de seus propósitos, e o avanço na presença feminina na entidade. Embora a Academia tenha 40 cadeiras, apenas 10 são ocupadas por mulheres, e, historicamente, a participação feminina corresponde a apenas 15%. Ilza também vê na conquista um estímulo para mulheres que atuam na música e na gestão cultural, destacando a contribuição feminina “pela sensibilidade à inclusão, pela valorização do saber étnico e pela preocupação com a sustentabilidade das organizações”.
Formação e histórico com a UFPB
Na história da compositora Ilza Nogueira, João Pessoa se tornou lar em abril de 1978, quando, ao lado do esposo e violinista Leopoldo Nogueira, ingressou na UFPB como docente para integrar um projeto visionário do então reitor Lynaldo Cavalcante de Albuquerque: implantar um bacharelado em Música completo.
Baiana, Ilza construiu uma formação acadêmica que teve início com a graduação em Música (piano) pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e, ainda jovem, especializou-se em composição em Colônia, na Alemanha. Em seguida, ingressou na Universidade Estadual de Nova York, em Buffalo, onde concluiu mestrado e doutorado orientada por dois nomes centrais da música contemporânea: Lejaren Hiller (pioneiro no uso de computadores na composição musical) e Morton Feldman.
Sua formação se completaria com um pós-doutorado em Teoria da Música na Universidade de Yale, que consolidou sua atuação como musicóloga analista e pesquisadora, trabalho que a levaria a se destacar nacionalmente pelos estudos sobre o repertório brasileiro contemporâneo, especialmente as obras do Grupo de Compositores da Bahia.
Dona da cadeira número 27 da ABM desde 2003, Ilza participou da fundação do curso de Música da UFPB, integrou o comitê assessor para a área de artes do CNPq, fundou e presidiu a Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música (ANPPOM) e a Associação Brasileira de Teoria e Análise Musical (TeMA), além de ter obras apresentadas no Brasil e no exterior, com ênfase na música de câmara. Agora, prepara-se para assumir a principal instituição dedicada à música erudita brasileira.
Confira, abaixo, a entrevista com a presidente eleita da Academia Brasileira de Música e professora aposentada da UFPB, Ilze Nogueira.
UFPB: Quando e como iniciou sua trajetória na UFPB?
Ilza Nogueira: Cheguei em João Pessoa em abril de 1978, eu e meu esposo, o violinista Leopoldo Nogueira. Viemos numa leva de muitos músicos vindos de diferentes regiões do Brasil, da América Latina e até mesmo da Europa, para constituirmos o corpo docente de um futuro Bacharelado em Música abrangente de todos os instrumentos de uma orquestra sinfônica; este era o sonho do reitor da época, Dr. Lynaldo Cavalcante de Albuquerque, um culturalista visionário. Ele estava disposto a fazer a UFPB conhecida pelas artes.
Em novembro de 1978, assentou-se a “pedra fundamental” do ensino superior de Música na Paraíba: o Bacharelado em instrumento da UFPB; e no início de 1979, criou-se o Departamento de Música vinculado ao CCHLA, tendo a pianista pernambucana Ana Lúcia Altino como sua primeira chefe. Coordenei o bacharelado no período de 1980 a junho de 1982, quando me ausentei temporariamente para pós-graduações nos Estados Unidos. Tive o privilégio de integrar aquele núcleo inicial de músicos fundadores e vivenciar uma época histórica no ensino superior de música na Paraíba.
UFPB: Como sua trajetória na UFPB influenciou sua formação como pesquisadora e compositora?
Ilza Nogueira: Quando regressei do doutorado na Universidade Estadual de New York (1986), eu era um dos poucos doutores ou doutoras em música no país. Éramos 13 espalhados no Brasil, eu a única na Paraíba. Imediatamente ganhei uma bolsa de pesquisa do CNPq e tive a ideia de organizar um Simpósio Nacional sobre o Ensino e a Pesquisa Musical no Brasil (SINAPEM), que nos integrasse numa discussão ampla sobre a educação musical no país. Realizamos o SINAPEM na UFPB, em 1987, com amplo apoio da universidade, do CNPq e da CAPES.
Como resultado, fundamos em 1988 a Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música (ANPPOM), a qual presidi até 1990. Viajei muito na década de 1990 dando cursos nas poucas pós-graduações em música brasileira, introduzindo no Brasil o conhecimento da nova “Teoria dos Conjuntos”. Em 1995 fui indicada para representar a área de Artes no Comitê Assessor do CNPq, também como a primeira mulher da grande área de Artes a ocupar essa honrosa, e espinhosa, missão.
No início dos anos 2000, participei da emergente pós-graduação em Música da UFPB (2004-2006), fundando e editando o periódico “Claves”. Finalmente, em 2014 fundei e presidi a Associação Brasileira de Teoria da Música (TeMA), concluindo minha dupla gestão em 2018 com um simpático evento realizado no Departamento de Música da UFPB, como sempre com significativo apoio da instituição. Posso dizer que a UFPB incentivou e apoiou incondicionalmente essas ações, que desde então visibilizaram o Departamento de Música como a nascente de ideias pioneiras e progressistas para a pesquisa em Música no país.
UFPB: Qual é, na sua visão, o papel da ABM na cultura e na memória musical do país?
Ilza Nogueira: A ABM sempre teve como meta a promoção e a valorização da música brasileira. Um ano depois da sua fundação, foi reconhecida, por decreto, como instituição de utilidade pública; poucos meses depois, ganhou do governo federal o status de “órgão técnico-consultivo” do poder público, o que lhe garantiu assento permanente no Conselho Nacional de Política Cultural do Ministério da Cultura. No entanto, esse poder consultivo depende muito da visão política dos governos. Dessa forma, políticas ministeriais podem acolher e valorizar ou inibir e frustrar as ações da Academia em seu maior objetivo: “a elevação do nível artístico e cultural do país”.
UFPB: Que prioridades a senhora pretende estabelecer para o mandato que se inicia em 2026?
Ilza Nogueira: Em primeiro lugar, pretendo definir uma gestão participativa; dando autonomia ao corpo diretor e ouvindo sempre os membros do plenário. Um mandato de dois anos pode ser curto para resultados visíveis, mas é razoável para implementar políticas e iniciar projetos que irão frutificar posteriormente.
A ABM é uma instituição tradicional, mas precisa remodelar-se para sua sustentabilidade em futuro próximo: em 2030 perderemos os direitos autorais da obra de Villa-Lobos, nossa maior fonte de subsistência. Precisamos criar alternativas para garantir a viabilização da vida cultural da ABM, o que requer criatividade administrativa e políticas cooperativas.
Nossa gestão tem o desafio de instituir mudanças progressivas na administração da instituição: estabelecer parcerias com entidades congêneres e instituições artísticas e culturais em todas as regiões do Brasil, fortalecer o reconhecimento da ABM no exterior e intensificar o diálogo com a ampla comunidade musical do país.
UFPB: Como vê o papel das universidades públicas na formação musical brasileira hoje?
Ilza Nogueira: Os cursos de música custam muito caro às instituições públicas. Um projeto como a implantação do bacharelado em música na UFPB, com todos os instrumentos de uma orquestra sinfônica, requereu muito esforço institucional e uma espera considerável para ter um instrumental básico disponível. Outra coisa: a formação em instrumento requer ensino tutorial; imagine quantos professores por instrumento são necessários, se queremos atender um público discente amplo.
A biblioteca é especializada, requerendo espaço de leitura e de audição individual. O ensino da música requer também salas de aula e de estudo individual, com tratamento acústico adequado.
É preciso uma vontade institucional compatível com a compreensão do valor social da cultura musical para sustentar cursos de música com ‘dignidade’. Em geral cumprimos o papel da formação do músico brasileiro em descompasso entre esforço institucional e resultado otimizado. Comparado às instituições europeias, a defasagem ainda é grande. No entanto, cumpre-se aqui um papel relevante na relação ensino musical/extensão, feito às custas de grande esforço político, compreensão e da dedicação generosa dos professores.
UFPB: Que mensagem gostaria de deixar para estudantes e jovens pesquisadoras(es) que se inspiram na sua trajetória?
Ilza Nogueira: Ser idealista: ideias inspiram e motivam. Valorizar o esforço da coletividade: é sábio o provérbio “a união faz a força”. Persistir na concretização dos sonhos: utopias são fontes de esperança e inovação, desafiam os limites do possível.
Texto: Elidiane Poquiviqui
Foto: Divulgação
